É bom ter vivido para ver que valeu a pena apostar na qualidade do vinho brasileiro
Por: Irineu Guarnier Filho
Comecei a escrever sobre vinhos brasileiros na década de 1980 –desde muito antes, portanto, da formidável evolução qualitativa experimentada pela bebida nos últimos 15 ou 20 anos. Os programas de TV, artigos em revistas, site e blog especializados vieram depois, mas em todos os veículos em que trabalhei desde aquela época sempre dei um jeito de incluir o vinho na pauta das editorias de economia ou de variedades.
Há mais de 30 anos, havia poucos rótulos nacionais capazes de competir com os importados. As castas viníferas eram raras por aqui –Cabernet Franc, Riesling Itálico, Moscato, uma Merlot–, e os vinhedos da Serra Gaúcha ainda estavam quase todos fechados (latada). Tempos difíceis, de muita chaptalização, pouca concentração, rolhas ruins e defeitos decorrentes da precariedade tecnológica com que a maioria das cantinas enfrentava o clima hostil. Era “o que a casa oferecia”... Mas nós, os entusiastas do vinho brasileiro, já procurávamos por virtudes em nossos rótulos, porque acreditávamos sinceramente no potencial da vitivinicultura brasileira.
Não pensem que era fácil falar bemda produção local contra o ceticismo e o desprezo dos “conhecedores” de então. Se hoje ainda é difícil, imaginem no tempo dos pioneiros Granja União, Conde de Foucauld, Château Lacave... O mínimo que ouvíamos era que gostávamos de “zurrapas” porque não sabíamos o que era “vinho de verdade”. Vinho de verdade, para esse povo, era o importado –mesmo que fosse um malbequinho meia-boca.
Agora –após a conquista de mais de duas mil medalhas em concursos internacionais e muita mídia a favor–, ficou mais fácil falar bem do vinho brasileiro. Poucos “críticos” ainda verbalizam o seu preconceito; no máximo torcem o nariz em grupinhos fechados. O que naquela época ainda poderia ser classificado como desconhecimento, atualmente é visto como esnobismo nouveau riche.
Afinal, os espumantes caíram no gosto dos brasileiros. Nossos brancos são deliciosos. E, se for para comparar, nossos tintos revelam mais afinidade com o Velho Mundo do que com pesados caldos chilenos e argentinos em declínio na preferência dos novos consumidores. Isso significa que chegamos ao topo? Claro que não, precisamos melhorar muito ainda. Mas já temos vinhos para competir até com os de países com mais tradição vinícola do que a nossa. Que fique claro, porém: o que importa, no vinho, não é a nacionalidade, e sim se ele é bom ou não. Os nossos são bons. É maravilhoso ter vivido para ver que o tempo nos deu razão.
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