O imposto sobre o vinho no Brasil deveria diminuir por questões sociais e de saúde, muito mais que por motivos econômicos
POR DR. JAIRO MONSON DE SOUZA FILHO
O imposto sobre o vinho no Brasil chega a 67%. Isso tem um grande impacto para as pessoas que trabalham na cadeia produtiva da uva e do vinho e praticamente nenhum na economia do país. Apenas isso já seria um justo motivo para diminuir essa carga pesada. Como parâmetro, veja que outros países, tradicionais produtores de vinho na América do Sul, taxam bem menos os seus produtos: a Argentina em 30% a 35%, o Uruguai em 22% a 23% e o Chile só em 4%.
O refrigerante é tributado em 47% no Brasil. O consumo abusivo de refrigerante, como do vinho, é danoso à saúde. Mas o consumo leve e moderado de refrigerante, pelo alto teor de açúcar, aumenta o risco relativo de se desenvolver obesidade, diabete e cáries dentárias. São doenças que têm um custo alto para o Estado. Por outro lado a ingesta leve e moderada de vinho, por quem não tenha contra-indicação ao seu consumo, agrega ao prazer de beber vários benefícios para a saúde, já amplamente documentados na literatura científica. É uma incoerência taxar mais o vinho que o refrigerante.
Aumentar impostos é uma medida impopular e afeta apenas os de baixa renda. As pessoas com melhor nível econômico não alteram o seu consumo com o aumento de preços. Os mais pobres deixam de consumir ou, o que é pior, muitas vezes substituem o bem por outro ainda mais prejudicial à saúde. Isso foi o que se viu na Índia quando o governo aumentou o imposto sobre o óleo de palma. Este, por ser muito barato, é o óleo vegetal mais consumido no sul da Ásia e é prejudicial à saúde, porque é rico em gorduras saturadas. O governo indiano achou por bem aumentar o imposto sobre este óleo com a intenção de diminuir o seu consumo e melhorar os indicadores de saúde da população. Mas aconteceu o que eles não esperavam: as pessoas de baixa renda passaram a consumir gordura trans no lugar de óleo de palma, o que é muito mais prejudicial para a saúde. O próprio governo indiano reconheceu que o aumento do imposto sobre o óleo de palma diminuiu a segurança alimentar da população.
O aumento do imposto sobre bebidas alcoólicas para diminuir o seu consumo nem sempre se mostrou eficaz. Basta ver o que um estudo recente nos mostra: áreas do EUA com alto índice de mortes relacionadas com a ingesta de álcool em 1980 permaneceram assim em 2009, apesar de terem sido adotadas todas as medidas clássicas para restringir o consumo (dentre elas o aumento de impostos).
Diminuir o preço de alimentos saudáveis é muito mais efetivo que aumentar tributos de produtos nocivos.
Um estudo publicado em dezembro de 2012 mostrou que o aumento de 10% em alimentos pouco saudáveis teve muito menos impacto na saúde das pessoas do que a redução de 10% no preço das frutas e verduras. Mas majorar impostos parece ser mais do agrado dos governantes.
O governo da Rússia, logo após a 2ª Guerra Mundial, teve uma experiência bem sucedida quando reduziu os impostos sobre o vinho para diminuir os problemas médicos e sociais advindos do consumo exagerado de álcool. Antes desta pugna, entre os anos de 1935 e 1937, o consumo anual per capita de vodka na Rússia era de 3,90 litros e o de vinho 0,98 litro. Naquele período, o consumo anual de álcool puro per capita era de 2,80 litros, o equivalente a 2.240 g de álcool puro por pessoa – um completo absurdo!
O governo russo, que tinha o controle centralizado das informações de saúde e dos serviços de educação e propaganda, resolveu adotar, entre outras medidas, a redução do preço do vinho, visando diminuir a magnitude desse problema de saúde, social e financeiro.
Com tais medidas, o consumo anual per capita de vodka entre os anos de 1948 e 1950 caiu para 2,80 litros e o de vinho aumentou para 1,29 litro. Isso resultou numa redução de 34% do consumo per capita de álcool puro, que passou a ser de 1,85 litro, o equivalente a 1.480 g de álcool per capita ano. Isso abrandou sobremaneira o peso do alcoolismo para o governo russo.
Em Ottawa, no Canadá, os governantes foram ainda mais ousados. Disponibilizaram gratuitamente 140 ml de vinho de hora em hora, entre as 7 horas e as 22 horas, para os alcoólatras que viviam nas ruas da cidade, a maioria viciada em destilados. O resultado foi impressionante. Essas pessoas reduziram em 5,5 vezes o consumo de álcool puro. Além disso, elas diminuíram em 60% a passagem pelos hospitais da cidade e em 50% os incidentes com a polícia. A totalidade delas abandonou o comportamento destrutivo, com melhora significativa na higiene, alimentação e qualidade do sono. A medida não curou o alcoolismo dessas pessoas, nem mesmo reintegrou- -as totalmente na sociedade, mas, sem dúvida alguma, melhorou a qualidade de vida delas e diminuiu muito o custo social deste sério problema.
A redução do imposto sobre o vinho no Brasil certamente faria com que muitas pessoas que consomem outra bebida alcoólica de baixa qualidade e alto teor de álcool passassem a beber mais vinho, uma bebida mais saudável. Quem bebe vinho tem menos problemas sociais e de saúde. O Estado é quem mais ganharia com isso.
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