Por. Dr. Jairo Monson De Souza Filho (médico)
As respostas para esta questão, muitas vezes, são passionais, mesmo dentro da comunidade científica, o que dificulta muito o perfeito entendimento. Além disso, o consumo de bebidas alcoólicas envolve não apenas preceitos culturais, religiosos e sociais, mas também biológicos.
Fazendo uma busca no PubMed iremos encontrar mais de um milhão de estudos que tratam dos efeitos das bebidas alcoólicas na saúde humana. O PubMed é, na minha opinião, a melhor ferramenta de buscas de trabalhos científicos na área médica. Diante de tantas pesquisas é possível encontrar pelo menos um estudo que sirva para defender qualquer tese. É difícil!
Não se pode ler apenas a conclusão do estudo e entender isso como uma verdade absoluta. É preciso saber ler um trabalho científico; saber avaliar a metodologia de coleta e análise das informações e considerar se houve algum viés nisso. Sabe-se, por exemplo, que alguns estudos são realizados ou patrocinados pela indústria ou por instituições que têm interesses nos resultados. Isso, por si só, não invalida o estudo, mas é algo que precisa ser avaliado. É difícil!
CONSIDERAÇÕES
Faço algumas considerações para ajudar a entender melhor essa questão.
(I) Muita gente morre de poucas causas! As doenças cardiovasculares e os cânceres representam mais da metade (quase dois terços!) das causas de morte precoce em pessoas com mais de 40 anos de idade.
(II) É um grande erro e uma injustiça considerar todas as bebidas alcoólicas iguais no que se refere a efeitos sobre a saúde humana. As pesquisas, de uma maneira geral, mostram que, considerando a mesma quantidade de álcool, o vinho causa menos danos e mais benefícios para a saúde, quando comparado à cerveja e destilados.
(III) Uma dose de álcool (drink, nos trabalhos científicos em inglês), tem definições diferentes dentro da comunidade científica. Por exemplo: no Reino Unido uma dose de álcool é igual a 8 gramas; já nos EUA são 14 gramas. Essa diferença é muito expressiva e pode gerar confusão quando se analisa dados científicos.
(IV) O conceito de “moderação”, também não é consensual entre cientistas e instituições. Alguns consideram que o consumo diário moderado, para homens seria de 25 gramas de álcool, outros o definem como 40 g; já para mulheres alguns ponderam 13 g e outros 25 gramas. São definições muito diferentes e que podem influir e confundir nas conclusões sobre o assunto.
(V) As informações disponíveis hoje vêm, quase todas, de estudos observacionais, onde os dados não estabelecem uma relação causal, apenas sugerem. Os estudos de intervenção (onde se define e avalia uma ação, por exemplo: a ingestão de uma dose conhecida de álcool) seriam mais esclarecedores. Mas é muito difícil fazer estudos de intervenção com bebidas alcoólicas, por questões éticas.
(VI) As pessoas são todas diferentes! Têm constituição gênica única, comportamento e hábitos próprios e uma complexa máquina biológica que as tornam diferentes entre si. As conclusões das pesquisas são baseadas em dados populacionais e servem para a maioria das pessoas, mas não para todas.
TEMA COMPLEXO
O tema é complexo e exige uma análise ampla, profunda e isenta. Foi isso o que fez o Prof. Andrea Poli, da Nutrition Foundation of Italy, de Milão, em um artigo publicado no European Heart Journal, na edição de novembro de 2022. Ele usou todo o conhecimento científico disponível hoje e avaliou os efeitos de maior impacto: a mortalidade por todas as causas, as mortes por doenças cardiovasculares e por cânceres.
O efeito cardioprotetor das bebidas alcoólicas hoje está bem consolidado e parece ser maior com o vinho do que com cerveja e destilados. A mortalidade por doenças cardiovasculares é diminuída significativamente nas pessoas que consomem regularmente bebidas alcoólicas, principalmente o vinho. Isso está respaldado por uma quantidade muito grande de estudos observacionais publicados após a divulgação do Paradoxo Francês, em 1991. O consumo moderado de álcool está associado a modificações bioquímicas que culminam com algumas ações anti-ateroscleróticas e anti-inflamatórias que explicam o efeito protetor observado.
O álcool é classificado pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC) como cancerígeno para humanos. Esta posição é controversa. Isso porque a qualidade da evidência científica que sustenta o efeito do álcool no risco de câncer não é cientificamente sólida, deixando incertezas. A relação parece ser mais para cânceres do sistema digestório, do sistema respiratório e da mama feminina. Esses achados vêm de estudos em que o consumo de álcool era alto (mais de dois a três drinks por dia para homens e um a dois para mulheres). Um estudo feito nos EUA e uma metanálise (estudo com alto nível de evidência científica) italiana recentes, concluíram que nenhuma relação clara pode ser encontrada entre ingestão moderada de álcool e risco de câncer.
CAUSA MORTIS
Quanto a mortalidade por todas as causas, a maioria dos estudos publicados mostram o mesmo: mulheres que consomem até um drink por dia e os homens que bebem até dois drinks por dia têm maior sobrevida que os abstêmios e os bebedores pesados. Alguns cientistas questionam esses estudos, não por erro nos dados ou análises, mas por não conterem informações que poderiam influir nos resultados. Estudos subsequentes têm procurado esclarecer estes questionamentos e até agora nada evidenciaram que mude as conclusões.
A análise da literatura médica publicada até agora, mostra que consumir bebidas alcoólicas de uma maneira responsável aumenta a expectativa de vida, reduz os riscos de ter doenças e morte de causa cardiovascular e, aparentemente, oferece um risco neutro para a incidência de cânceres. Isso ocorre apenas para quem se limita a uma ingesta leve-moderada, não tem contra- -indicação ao consumo de álcool e tem o consentimento de seu médico.
É muito importante considerar o que disse o Prof. Andrea Poli: “o consumo de álcool além dos limites da moderação, especialmente se mantido ao longo do tempo, está associado a uma ampla e conhecida série de efeitos nocivos ao corpo humano, e tais níveis de consumo devem ser fortemente desaconselhados pelos médicos e profissionais de saúde”. Mas, se é verdade que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é danoso, também é verdade que o consumo leve-moderado, por quem não tem contraindicação e tem o consentimento do seu médico, agrega alguns benefícios para a saúde. O vinho parece oferecer mais benefícios e menos danos que outras bebidas. Se for beber, faça preferentemente acompanhado de uma refeição saudável e uma companhia aprazível. Isso será mais prazeroso e benfazejo.
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