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Vinho Magazine

Alta gastronomia em casa

A pandemia arrefeceu, mas deixou de herança a facilidade do delivery

Por: Maria Edicy Moreira


Embalagens bem cuidadas são uma das chaves da entrega com qualidade
Embalagens bem cuidadas são uma das chaves da entrega com qualidade
Eduardo de Castro, chef do restaurante Casa do Chef
Eduardo de Castro, chef do restaurante Casa do Chef

A pandemia afetou toda a economia global, mas o setor de restaurantes foi um dos mais afetados.

Durante o período de recolhimento, restou ao consumidor recorrer ao delivery, comandado por um batalhão de motoboys e ciclistas.

Dois anos depois, pedir comida pelo aplicativo virou hábito, incorporou-se aos costumes urbanos.

Uma das novas alternativas é o conceito dark kitchen: cozinhas industriais sem salão para serviço de mesa, ou mesmo de restaurantes, funcionando fora dos períodos em que estão servindo.

Surgiram também os restaurantes virtuais, operados em cloud kitchen. Esses DELIVERY GASTRONÔMICO restaurantes invisíveis (sem o tradicional salão) contam com vários canais de vendas.

Uma cloud kitchen é montada em espaços pensados para operar com diferentes tipos de culinárias. Isso permite trocar rapidamente uma marca e tipo de culinária, que eventualmente não tenha dado certo, por outra.

No início das medidas de restrição houve um corre-corre em muitos restaurantes para ativar o delivery ou ampliar o número de entregas, para não fechar as portas. O chef-sócio do Bistrot de Paris, Alain Poletto, revela o drama de quem não estava preparado para vender pelo delivery.

Sorvete de manjericão
Sorvete de manjericão

“Tivemos que fazer em quatro dias o que deveríamos ter feito em quatro anos. Já tínhamos esse projeto de delivery em mente, principalmente pelos produtos sous-vide (cozidos a vácuo em sacolas fechadas) que oferecemos desde sempre, mas não havíamos dado importância e dedicado tempo para focar no projeto. A pandemia nos colocou em uma situação de fazer isso com muita urgência e isso gerou muitos desafios”.

No restaurante Animus, da chef Giovanna Grossi, o delivery já existia, mas precisou de mudanças. “A primeira grande mudança foi transformar o delivery em uma forma mais enxuta, mais prática e mais acessível e fácil de explicar. Sem o contato direto com o cliente é mais complicado explicar a experiência que proporcionamos no espaço físico. Além disso, sabemos que durante a viagem a qualidade dos pratos muda, a expectativa nas embalagens... Enfim, foi uma decisão que tomamos para conseguir sobreviver à pandemia”.

A proposta do chef Eduardo de Castro, do restaurante Casa do Chef, foi adaptar o menu ao delivery. “Melhoramos a comunicação do que podemos entregar sem prejudicar a qualidade dos pratos. Fizemos testes e investimos em embalagens”.

Gabriel Fullen, sócio dos restaurantes Locale Caffè, Locale Trattoria e Oguru Sushi, já contava com deli very, e o maior desafio, segundo ele, foi tentar levar uma experiência de consumo mais parecida possível com a de comer em seus estabelecimentos. “Investimos em embalagens mais sofisticadas e focamos ainda mais na apresentação dos pratos”.


Embalagens adequadas para viagem
Embalagens adequadas para viagem

No Santo Grão, uma mistura de ambientes de café, restaurante e lounge, muitas providências foram tomadas com relação ao delivery. O fundador, Marco Kerkmeester, conta que a casa sempre identificou que seu maior concorrente é a casa do próprio cliente e para competir e sobreviver em tempos de pandemia foi preciso investir em várias frentes.

“A preocupação foi fornecer pratos e bebidas que mantivessem sua integridade nas costas de um motoboy e no prato do cliente. Trabalhamos com parceiros para oferecer um serviço 100% e, na ausência do garçom, colocamos o sorriso na embalagem. Também, melhoramos nossas fotos para o cliente saber o que pode esperar; melhorarmos nossos processos para que qualquer pedido saia de nossas cozinhas em até 20 minutos; expandimos nosso raio de delivery usando cozinhas ociosas de unidades que não oferecem delivery etc.”.


À PROVA DE SOLAVANCOS

O delivery não envolve só contratar serviços de entrega, colocar a comida em uma embalagem e despachar. Os restaurantes tiveram que passar por um aprendizado.

O maior desafio foi testar e encontrar receitas entre as já disponíveis no cardápio que mais se adaptariam aos solavancos das motos, à pressa dos motoboys e ao tempo de viagem.

Giovanna Grossi, chef do restaurante Animus
Giovanna Grossi, chef do restaurante Animus

“Não alteramos as receitas. Por ter um menu amplo e desejarmos entregar a verdadeira comida do Bistrot de Paris, fizemos uma seleção do que poderia ser entregue. O desafio era saber quais receitas poderiam viajar nas melhores condições. Como temos esse diferencial de entregar em dois formatos, seja em sous-vide para ser finalizado em casa ou o prato pronto. Em ambos os casos são as receitas do restaurante, sem nenhuma alteração”, afirma Alain Poletto.

Ele explica que alguns pratos não se adaptariam ao delivery, como aqueles finalizados na hora, em cima de uma grelha ou de uma chapa, por exemplo. “Uma receita que adoro, o linguine com lula, vai chegar bom na casa das pessoas, porém, não igual no restaurante, pois a lula tem que ser comida na hora. Por isso, nosso grande diferencial, além dos pratos prontos do delivery, são os kits embalados à vácuo para o cliente finalizar em casa, acompanhados por nossos vídeos com o tutorial, baixados por QR Code”.

Alain Poletto, chef e sócio do Bistrot de Paris
Alain Poletto, chef e sócio do Bistrot de Paris

O chef preparou uma variedade de vídeos que acompanham os kits para mostrar a finalização e permitir que o cliente monte um prato muito similar ao que seria servido no restaurante, além de sugerir que a mesa seja posta. “Valoriza a comida. Eu jamais conseguiria comer na embalagem do delivery. É importante pôr a mesa com carinho”.

Algumas receitas foram reprovadas para delivery. “Um prato que eu jamais incluiria no delivery, por saber que ele não chegaria bem, é o ovo cocotte. Tem que ter cuidado na escolha das opções que irão viajar, precisam ser receitas que vão oferecer um bom resultado ao chegar à casa do cliente”.

O Santo Grão também não desenvolveu novas receitas. Optou por criar combos de café da manhã, por exemplo, que têm grande demanda. Os desafios, segundo Marco Kerkmeester, fundador do estabelecimento, começaram com a redução do tempo de preparo das receitas que deveriam ficar prontas em até 20 minutos. Em seguida, veio a tarefa de selecionar entre as muitas receitas já existentes, aquelas que se adaptariam ao delivery e, em alguns casos, alterar o ponto de cocção para a comida chegar ao cliente no ponto ideal.

Confit de pato para viagem, do chef Alain Poletto
Confit de pato para viagem, do chef Alain Poletto

O risotto, mesmo fechado na embalagem, por exemplo, continua cozinhando. Por isso, passou a ser retirado do fogo antes do ponto final de cozimento. O filet mignon passou ser grelhado a um ponto para menos.

Alguns produtos foram definitivamente reprovados. “Temos vários produtos que eu não enviaria pelo delivery, mesmo sendo nossos carros-chefes. Sofrem alterações demais na qualidade. Os mais difíceis são os pratos cujo ‘plating’ é essencial. Sobremesas mais frágeis. Nosso Robalo em Vapor com Pupunha Caramelizada. Comemos com olhos também, mas não chegam bem à casa do cliente”, afirma Kerkmeester.

Ele cita ainda outras receitas reprovadas para entrega. “Cafés quentes... Ovos poché, batatas fritas... Espresso e cafés quentes com leite não viajam bem. A vaporização do leite e a temperatura do café não se mantêm. Eu pessoalmente sofro. Como entregar um cappuccino maravilhoso no delivery? Se alguém tiver essa solução, seria um achado! Os ovos poché foram substituídos por mexidos e omelete. Batatas fritas também sofrem na viagem, perdem a crocância”.

Prato para viagem do Locale Caffé
Prato para viagem do Locale Caffé

Entre os pratos que mais fazem sucesso entre os clientes do Santo Grão, segundo Kerkmeester, estão aqueles à base de peixe. “Foi uma surpresa ver o quanto essas opções passaram a vender pelo delivery. Nossos peixes são muito frescos. O atum grelhado, o Duo de Tartar – atum e salmão – e o Sanduiche de Salmão Defumado formaram o trio best seller”.

Por trabalhar com massas, a Osteria Nonna Rosa, teve de reduzir o tempo de cocção para não prejudicar a qualidade e a montagem dos pratos e, mesmo assim, alguns pratos não foram aprovados para viajar. “Nosso Carbonara e Cacio Pepe são receitas clássicas que pedem mais cuidado nos processos de preparo para que mantenham nossa qualidade e padrão. Até buscamos adaptar as duas receitas para o delivery, porém, não iríamos entregar a mesma qualidade que oferecemos no salão”, afirma Marcelo Muniz, sócio da Osteria.

Diante desses desafios, o restaurante recuperou receitas queridas pelos clientes e adaptou outras. O Fettuccini Trifolati, com molho de cogumelos frescos e funghi porcini italiano, foi colocado no delivery por agradar ao paladar dos clientes e atender àqueles que antes frequentavam o salão e pediam o prato do chef Carlos Leiva.

Gabriel Fullen, sócio de várias casas por São Paulo
Gabriel Fullen, sócio de várias casas por São Paulo

O Rigatoni ao Forno foi adaptado para oferecer a qualidade da comida da Osteria na casa dos clientes. O prato remete a confort food. O Tagliolini al Tartufo é outro prato do chef que acabou se tornando campeão de vendas no delivery. Hoje esse prato não está mais no cardápio fixo do Nonna Rosa. Somente no delivery.

A chef do Animus, Giovanna Grossi, também correu atrás de adaptações e até criou receitas novas pensando no delivery. “A primeira grande mudança, foi transformar o delivery em uma forma mais enxuta, mais prática e mais acessível para todos. Seria muito complicado explicar às pessoas a experiência que proporcionamos no espaço físico do Animus. Sabemos que a qualidade dos pratos muda, a expectativa nas embalagens... enfim, foi uma decisão que tomamos para conseguir sobreviver por mais essa temporada de pandemia”.

Isso, segundo a chef, resultou em um cardápio tradicional com entradas, pratos principais e sobremesas, coisas que não existiam no espaço físico, para facilitar a comunicação com o cliente. “A linguagem precisa ser mais direta”. Na hora de escolher os pratos para viajar, ela levou em conta o fato de que muitas receitas perdem qualidade e não têm a mesma “graça” daquelas consumidas na hora. As receitas com crocância, emulsões... Tudo isso perde qualidade”...

Marco Kerkmeester, do Santo Grão
Marco Kerkmeester, do Santo Grão

Assim, além de oferecer o cardápio tradicional, fez uma grande pesquisa de mercado e viu que as comidas que as pessoas mais pedem e que garantem boa qualidade na entrega são pizzas e sanduiches. Então criou três opções com a cara do Animus: sanduiches de polvo, brisket (peito bovino) e abobrinha.

No restaurante Casa do Chef, o chef Eduardo de Castro, conta que todo o cardápio já havia sido adaptado para o delivery e que apenas passou a sugerir aquecimento em alguns casos.

Além disso, criou algumas sugestões para os finais de semana como Arroz Cremoso com Camarões e Arroz de Pato. “Também fizemos duas entradas na versão congelada: Nossos bolinhos de bacalhau e bombons de alheira. Antes tínhamos essas opções somente para consumo imediato”.

O Nou Restaurante tem alguns itens que não são vendidos pelo delivery por sofrerem grande alteração no trajeto como frituras. Segundo o chef Amílcar Azevedo, na verdade toda preparação sofre alterações na qualidade, se comparada ao produto servido na hora, mas a expectativa do cliente também é outra. “Carnes grelhadas sofrem menos alterações que as frituras”.

Embalagens de produtos para delivery
Embalagens de produtos para delivery

Gabriel Fullen, sócio do Locale Caffè, Locale Trattoria e Oguru Sushi, afirma que em seus restaurantes as receitas permaneceram as mesmas. “Apenas criamos combos e experiências para facilitar a escolha dos clientes e aumentar o ticket médio. As massas frescas normalmente não viajam bem. Sanduíches, pizzas, bebidas e sushis viajam melhor”.


EMBALAGENS

Os restaurantes tiveram que investir nas embalagens, pensando não só no acondicionamento da comida, mas também na comunicação, já que as pessoas comem também com os olhos.

“Precisávamos surpreender. Por isso, a importância da escolha das embalagens, que teriam de ser compatíveis com a nossa marca e com nossas receitas. O nosso sous-vide vai dentro de sua própria embalagem que ainda vai dentro de uma caixa com a cara do

Embalagem do Animus para o envio de drinks.
Embalagem do Animus para o envio de drinks.

Bistrot de Paris. A ideia é parecer que o cliente está recebendo um presente. Ele tem de se emocionar ao abrir a encomenda”, afirma Poletto, do Bistrot de Paris.

“Claro que, se pudéssemos escolher uma embalagem específica para cada receita, seria melhor, porém, não é viável. Então, acredito que fizemos o melhor dentro das nossas possibilidades para oferecer na casa do cliente o mais próximo da experiência no restaurante”.

Poletto se diz orgulhoso pelo trabalho que seu restaurante fez neste primeiro ano de pandemia, pois a comida oferecida pelo Bistrot de Paris é única e conseguir fazer chegar à casa dos clientes uma verdadeira comida francesa, é um desafio. Sinto-me mais responsável, honesto e coerente com meus clientes entregando em suas casas uma verdadeira experiência francesa”.

Marcelo Muniz, sócio da Osteria Nonna Rosa
Marcelo Muniz, sócio da Osteria Nonna Rosa

“Nós nos preocupamos com as embalagens para que os clientes possam reciclar, sabemos quanto lixo é gerado a mais com tudo isso. Pagamos um pouco a mais, mas temos consciência de que estamos buscando e fazendo a nossa parte”, afirma Giovanna Grossi.


SEM CONVÍVIO

Se os clientes ficam tristes em não poder ir aos restaurantes, os chefs e outros profissionais da casa também sofrem com a ausência dos clientes porque, afinal, o salão dos restaurantes não é apenas para comer.

É um lugar de convívio social em que nascem amizades, amores, e negócios são fechados.

Marco Kerkmeester relata como foi ter o salão vazio. “Como é conviver sem aquele abraço? Como é conviver sem encontrar um amigo inesperadamente? Encontrar em um ambiente neutro, sem pretensões e olhar no olho do outro? A maioria de nossos clientes não vem só comer, vem para o além do prato...”

Embalagem para delivery do Restaurante Nou, de São Paulo, SP
Embalagem para delivery do Restaurante Nou, de São Paulo, SP

“O glamour do salão é fundamental, ainda mais no Bistrot de Paris. Temos muitas receitas que são montadas pelo garçom na mesa à frente do cliente, o que é um ponto forte no nosso serviço, como fatiar um salmão ou partir uma paleta, finalizar o crème brûlée ou flambar um crepe...”, afirma Poletto.

Eduardo, do Casa do Chef, não esconde seu entusiasmo com a volta do salão cheio de clientes. “Muitos de nossos clientes se tornaram amigos e sentimos falta de andar pelo salão cumprimentando a todos, brindando com os que se sentam em nosso lounge para tomar vinho ao ar livre... Sem pressa...”

Para Gabriel Fullen, sócio do Locale Caffè, Locale Trattoria e Oguru Sushi, foi difícil e desafiador ter visto o salão sem clientes. “Tivemos que pensar ‘fora da caixinha’ para levar a melhor experiência à casa de nossos clientes, mas nada se compara à atmosfera de nossos salões com a presença deles.”

Como sempre teve um delivery bem estruturado, o Nou Restaurante considera que esse fator foi um diferencial frente aos concorrentes. “Graças ao delivery conseguimos segurar nossas operações”, afirma o chef Amílcar Azevedo.

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